Venda de álcool para menores de 18 anos: lei tem mudança importante no Brasil

Política Saúde

Nova medida endurece a pena para quem permitir a compra de bebidas alcoólicas por adolescentes

Priscila Dórea

Por Priscila Dórea

Em um país onde o consumo precoce de álcool ainda é naturalizado e o acesso à bebidas é facilitado – dados do 3º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD III) apontam que 74,7% dos adolescentes brasileiros não enfrentam dificuldade em comprar bebidas alcóolicas –, a sanção da Lei nº 15.234/2025, que endurece a pena para quem oferece álcool a menores de 18 anos, marca um avanço na proteção desses jovens.

A atual geração parece ter maior consciência dos riscos, mas especialistas alertam sobre a importância do diálogo e do exemplo familiar para se criar hábitos mais saudáveis entre os jovens.

Visando combater a banalização do consumo de álcool entre jovens e responsabilizar com mais rigor os adultos envolvidos, a Lei 15.234/2025 aumenta a punição para quem vender, fornecer, servir ou entregar bebidas alcoólicas ou substâncias que causam dependência a menores de 18 anos: alterando o artigo 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei aumenta a pena caso o menor consuma efetivamente o produto.

Antes, a pena prevista era de 2 a 4 anos de detenção. Com a mudança, essa pena pode ser aumentada de um terço até a metade, dependendo da gravidade do caso.

Além disso, a prática pode resultar em prisão sem direito à fiança, especialmente quando houver incentivo direto ao consumo por parte dos adultos.

“Agora, deve haver prevenção e educação, visto que a majoração da pena não terá papel efetivo sem o devido acompanhamento. Devem ser pensadas políticas públicas de segurança, com a finalidade de coibir a prática da venda e o poder público precisa de parcerias estratégicas para prevenir e educar futuras gerações, para que a pena tenha acompanhamento social”, afirma o doutor e mestre em direito penal, Glebson Bezerra, docente da Wyden.

Estudante de comunicação social, Lucas Ajúr, de 25 anos, conta que começou a beber aos 15 anos por curiosidade.

“Andava com uma galera punk rock, e a gente consumia de tudo: cerveja, vinho barato, vodca, misturas caseiras. Hoje, com a rotina adulta e mais consciência sobre saúde física, mental e espiritual, reduzi bastante, por decisão própria mesmo. Acredito que há, sim, uma tendência entre os mais jovens de serem mais conservadores quanto ao consumo de álcool e que ele não é mais visto como essencial para se divertir, mas também ainda há muito estímulo”, analisa.

Lucas Ajúr , estudante da FACOM, bebeu pela primeira vez aos 15 anos

Lucas Ajúr , estudante da FACOM, bebeu pela primeira vez aos 15 anos | Foto: Shirley Stolze / Ag. A TARDE

Sobre a nova lei que aumenta a punição para quem oferece bebida a menores, Lucas afirma achar muita válida, mas se preocupa com a efetividade.

“Em muitos lugares, especialmente onde o Estado não chega, o acesso continua fácil, seja em festas, escolas ou comunidades. A bebida circula, e meninas e meninos começam a beber cedo porque alguém oferece. Na minha adolescência comprei inúmeras vezes e o vendedor nem piscava. A lei precisa vir acompanhada de fiscalização real, senão será só uma ação sem eficácia”, argumenta.

Opinião parecida com a do ator e estudante de direção teatral Rudá Paixão, de 22 anos, que acredita que o foco deveria estar em garantir que a lei seja aplicada.

“Só experimentei álcool muito recentemente: senti os efeitos e percebi que não era pra mim. Hoje trabalho como garçom e monitor de jogos em uma luderia, então meu contato com a bebida é apenas profissional. Lá, inclusive, temos um cuidado rigoroso com menores de idade: cadastramos os clientes e recusamos qualquer tentativa de burlar as regras, mas às vezes aparece alguém que tenta. O problema parece estar na impunidade e na falta de fiscalização”, reflete ele.

Rudá Paixão, ator, destaca importância da aplicação da lei

Rudá Paixão, ator, destaca importância da aplicação da lei | Foto: Shirley Stolze / Ag. A TARDE

Doutora em psicologia e docente do Instituto de Educação Médica (Idomed) de Alagoinhas (BA), Anna Paula Oliveira Silva explica que o ambiente familiar é o principal fator de proteção ou risco para o início do consumo de álcool.

“Quando os pais mantêm vínculos afetivos seguros, conversam abertamente sobre riscos e estabelecem limites claros, há redução significativa da probabilidade de uso precoce. A prevenção também envolve o exemplo: famílias que normalizam o consumo de álcool em situações sociais ou permitem ‘pequenos goles’ para crianças contribuem para a naturalização da substância”, explica a professora.

Aluna de odontologia, Ludmila Bispo Santos Conceição, de 19 anos, conta que cresceu em um ambiente onde sempre teve abertura para conversar com os pais sobre tudo, inclusive sobre bebida.

“E eles sempre deixaram claro que não era saudável ter esse contato tão cedo. Isso fez diferença: mesmo quando meus amigos bebiam, eu não sentia necessidade de acompanhar. Na minha adolescência, havia um pouco de pressão por parte de meus amigos. Eles eram incríveis, mas vez ou outra comentavam ‘você é muito besta’ ou ‘não precisa contar para os seus pais’, mas cada pessoa reage de forma diferente ao álcool, e é fácil se tornar vulnerável em ambientes inseguros”, afirma a estudante.

Hoje, mesmo sendo maior de idade, ela só consome álcool em ocasiões muito específicas. “E não porque está disponível. Não é algo que me faz falta”, reflete. Para a também estudante de odontologia Laudeci Gomes Sousa, de 24 anos, a glamourização em torno do álcool começa cedo.

“Beber é visto como algo divertido, uma forma de pertencimento e quem não bebe é chamado de careta. Não tenho nada contra quem bebe, mas não consumo pois sei que minha diversão não depende disso, e o ambiente religioso em casa contribuiu também. Já presenciei crianças consumindo álcool sem qualquer fiscalização, com adultos por perto, então acredito que a lei precisa ser firme e acompanhada de fiscalização rigorosa, pois o consumo precoce está banalizado”, afirma.

Laudeci Gomes Sousa, estudante de odontologia - UFBA

Laudeci Gomes Sousa, estudante de odontologia – UFBA | Foto: Shirley Stolze / Ag. A TARDE

Para a mãe de Marina, de 12 anos, a bancária Viviane Idma Contreiras Barris Cortês, ter esse diálogo aberto com os filhos é necessário, sobretudo nos tempos de hoje.

“Além do rol social, as redes sociais os expõe a riscos de diferentes formas. Por isso estou sempre orientando minha filha sobre tudo, inclusive a ingestão de bebidas alcoólicas, efeitos e riscos. Acredito que desta maneira abro um ‘canal’ com ela para dúvidas e opiniões a respeito do assunto. Não vejo como positivo criar os filhos numa espécie de ‘bolha’ em que eles não saibam que essas substâncias existem”, explica Viviane.

Além desse diálogo aberto – e sem julgamentos! –, o médico pediatra e neonatologista, Samir Nahass Gouveia Franco, diretor do Hospital Mater Dei EMEC em Feira de Santana (BA), explica que os pais precisam supervisionar, estabelecer limites e dar exemplo.

“O consumo moderado e responsável é mais educativo do que a proibição sem contexto. O consumo precoce de álcool compromete o desenvolvimento biológico, psicológico e social da criança e do adolescente de forma profunda e duradoura. Pais atentos e afetivos são o principal fator de proteçã”, afirma o profissional da saúde.

Maria (nome fictício) tem 61 anos, é membro dos Alcoólicos Anônimos (AA) e conta que começou a beber com apenas 14 anos, em festas escolares, achando que era normal.

“Naquela época, ninguém falava sobre os riscos: beber era bonito, comum e até os pais incentivavam. Só mais tarde, depois de me casar e me separar, percebi que o consumo virou descontrole. Descobri, por meio de uma abordagem no trabalho, que o alcoolismo é uma condição crônica. Essa consciência mudou minha vida. Hoje, entendo o quanto isso prejudicou minha família e minhas filhas. Na juventude, não havia informação, mas hoje as pessoas estão mais conscientes. O álcool ainda é acessível demais: o problema existe e pode começar cedo”, alerta.

“O consumo moderado e responsável é mais educativo do que a proibição sem contexto. O consumo precoce de álcool compromete o desenvolvimento biológico, psicológico e social da criança e do adolescente de forma profunda e duradoura. Pais atentos e afetivos são o principal fator de proteçã”, afirma o profissional da saúde.
Maria (nome fictício) tem 61 anos, é membro dos Alcoólicos Anônimos (AA) e conta que começou a beber com apenas 14 anos, em festas escolares, achando que era normal.

“Naquela época, ninguém falava sobre os riscos: beber era bonito, comum e até os pais incentivavam. Só mais tarde, depois de me casar e me separar, percebi que o consumo virou descontrole. Descobri, por meio de uma abordagem no trabalho, que o alcoolismo é uma condição crônica. Essa consciência mudou minha vida. Hoje, entendo o quanto isso prejudicou minha família e minhas filhas. Na juventude, não havia informação, mas hoje as pessoas estão mais conscientes. O álcool ainda é acessível demais: o problema existe e pode começar cedo”, alerta.

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