Tote, Totinha, Antônia…
Por Iraci Gama Santa Luzia
Três formas de chamar uma pessoa. A primeira era a forma preferida da mãe – dona Raquel. A segunda, a forma imortalizada, na fotografia que foi sua base de profissionalização. A terceira é a oficialização perante a sociedade, por aquela identificação feita no cartório. Serve para a Carteira de Identidade, a se apresentar em situações especiais. No caso da nossa personagem, então!… Mas, para esse meu comentário, é importante citar o nome completo: Antônia Miranda Conceição. Miranda era sobrenome da mãe, com quem ela muito se assemelhava fisicamente. E por quem sentia muito amor e respeito. Conceição, herança paterna, era sua base de criação artística.
Ari Conceição, seu pai, era pintor profissional. Pintor de locomotivas, a vapor, dentro da oficina São Francisco. O irmão, Epifânio Conceição, também era pintor de locomotivas, na mesma oficina e pintor de telas, ambos. Ari desenvolveu outra habilidade artística – a fotografia. E, já na fase de adulto para idoso, descobriu a veia poética e produziu muitos versos. Mas entre a pintura e a escrita, Totinha escolheu ficar com a fotografia. Começou cedo, em casa, vendo e acompanhando o pai, fotografando as pessoas, mas, também, revelando e, até, se arriscando na criação de uma máquina Lambe-lambe. Ela vivenciava tudo isso e sentia atração forte por sua área. Dona Raquel se esforçava, buscando as escolas, conversando com as professoras. Todas gostavam muito de Antônia (na Escola, a formalidade), e estrahavam, quando dona Raquel puxava um “Tote”! E logo a mãe consertava “Totinha”, “Antônia”. Rapidamente descobriram ser a mesma pessoa, por tudo de bom que apresentava, no trato, no respeito, na alegria, no oferecimento das “merendas”, das guloseimas e na habilidade com a bicicleta. Vivia montando bicicleta e as teve de várias marcas! Também pela preocupação com as quedas constantes. Com frequência aparecia com o braço no gesso! Sinal de muita peraltice!
Não sei quantas pessoas vão ler esse texto, mas algum leitor pode perguntar: como é que a professora Iraci sabe dessas coisas, assim, tão particulares, da nossa fotógrafa? E eu respondo. Ela era minha vizinha na rua Dois de Julho. Fomos meninas juntas, muito brincamos de picula, de corda (foguinho), de esconde-esconde, de Três, três passarão, de meu anel, de roda, muitas cantigas de roda! Meu Deus, quantas lembranças boas! As crianças brincavam, com a supervisão dos familiares e, aqui na porta de casa, havia espaço para a criançada da rua. Mas, vejam, Totinha, de vez em quando, para se exibir, ia buscar a bicicleta, para fazer um “show”! Era muito exibida com aquela bicicleta. Com os estudos, porém, não tinha atração. Dona Raquel buscava exemplos, inclusive comigo que não perdia de ano. Brincava bastante, depois da escola, dizia a mãe! Ela ouvia, não resmungava, não reclamava, mas sentia atração forte, mesmo, por aquela função que o pai desenvolvia, em casa, depois que chegava do trabalho, na Leste. E, um belo dia, seu Ari, muito atarefado, deu para ela, uma missão: fazer os retratos daqueles homens que iriam à sua casa, num horário em que ele estaria dentro das oficinas. Pronto! Foi a glória! A grande descoberta. O ponta-pé inicial. O nascimento da FOTÓGRAFA que todos nós amamos e admiramos. E tinha apenas doze anos. Ela foi além do fotografar. Revelava que é a parte mais difícil da função. E, no escuro do laboratório produziu montagens e imagens que só mesmo uma grande artista conseguiria. Ela criou mecanismos próprios e, para isso, fazia pesquisa. Lia, fazia contatos, conversava com entendidos. Ia a exposições. Quando ela começou a fazer as fotos-telas me levou até a Objetiva, em Salvador, para conversar com o pessoal de lá, que era encantado com o trabalho que levava para o laboratório. A Igreja Inacabada de Alagoinhas Velha, com destaque para suas formas, seus interiores. Alguém comentava: parece que é da Europa! E ela sorria, feliz dizendo: “é da minha cidade, cara, é de Alagoinhas, sim”! Explique aí, Iraci!
Na fotografia ela encontrou seu caminho, o seu destino. E fazia experimentos, com diferentes materiais e novos aparelhos. Às vezes gastava dinheiro com essas pesquisas e ficava com dificuldade para pagar as contas!… E, aí, quem é amigo, de verdade, chega junto, para socorrer um idealista, um perfeccionista, um estudioso da sua arte. Que bom Tote, poder lembrar de você assim. A primeira vez que levei Totinha para me socorrer, foi para fotografar o corte de uma palmeira imperial, linda, numa área do centro da cidade. A palmeira não estava atrapalhando nada, mas, as conveniências financeiras exigiam o espaço. Eu Fui buscá-la no estúdio. Ela saiu resmungando, porque estava perto de meio dia, eu queria as fotos de longe, não ia ficar bom, depois eu mesma iria reclamar… Eu ía na frente e ela atrás, ajeitando a máquina, junto ao rosto e fazendo as fotos. Revelou tudo depois e me entregou. Maravilha!
Reclamou tanto da minha doidice e nunca mais se afastou dela. Dedicou-se a esse nosso patrimônio para o que produziu cartazes, folhetos, postais, campanhas de divulgação, fotos-telas. Sem deixar de ser fotógrafa dos batizados, aniversários, casamentos, formaturas!… Tudo com muita qualidade, com esmero, com responsabilidade. Quando Madre Santíssimo a viu com uma máquina fotógrafica, registrando os movimentos de uma formatura, no Colégio S.S Sscramento, por onde ela havia passado, como estudante, declarou: “graças a Deus, achou juízo”! O juízo, já existia Madre Santíssimo, só não sabia, ainda, onde e quando iria se revelar. E quando revelou-se, tomou completamente a sua alma, inundou-a de paixão pela fotografia e a fez pintar e escrever, como seu pai, usando a lente que estava na máquina dele, para basear os estudos realizados, posteriormente, com sua própria máquina, traquilizando também, dona Raquel, que, como nós outros, virou uma fã dessa profissional, caprichosa, dedicada, admirável. Que por todo seu potencial de criação e habilidade artítica, entrou para a Academia de Letras e Artes de Alagoinhas, tornando-se imortal. VIVA a nossa TOTINHA FOTÓGRAFA!
Alagoinhas, 17 de março de 2025 (17 anos
do falecimento de Totinha).
Exposição Cultural e Artística com quadros do pintor Almiro Borges e da fotógrafa Totinha, ambos oriundos da região que se desenvolveu ao lado dos trilhos do trem.