Passageiros que escaparam à colisão de aeronave na cordilheira tiveram de comer partes dos corpos dos companheiros mortos à espera de socorro
Por O GLOBO e Agências Internacionais
À direita, o ator Agustin Pardella, que interpretou Nando Parrado, sobrevivente e autor do livro ‘MIlagre nos Andes’ — Foto: Reprodução Instagram (foto Nando) e Divulgação Netflix
Os 16 passageiros que milagrosamente escaparam da queda de um avião nos Andes, em outubro de 1972, conseguiram ser resgatados 72 dias depois. Eles já estavam “perdidos” nas montanhas de neve havia quase dois meses, tendo de comer partes dos corpos dos companheiros mortos e superar avalanches, quando parte do grupo decidiu se separar e buscar ajuda.
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O avião fretado partira de Montevidéu, no Uruguai, rumo a Santiago, no Chile, levando integrantes do time de rúgbi Old Christians Club, amigos, parentes e cinco tripulantes. Entre os 16 sobreviventes, Roberto Canessa e Fernando “Nando” Parrado avançaram pelos Andes durante dez dias e noites até chegarem a uma paisagem que não estava congelada.
Em entrevista de 2020, ao programa Informal Breakfasts, Canessa contou ter visto, pela primeira vez em muito tempo, grama, lagarto, vacas. No entanto, não via seres humanos.
— Você [fica pensando se] realmente alcançou a civilização? Estávamos sentindo falta do homem — destacou ele. Canessa e Parrado, enfim, avistaram um homem, um chileno que trabalhava como condutor de mulas e que, mais tarde, foi identificado como Sergio Catalán.
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Comer carne humana
Amigos desde a infância, as memórias daqueles dias continuam fortes, apesar das cinco décadas que se passaram. Eles dizem não ter mais pesadelos ou sensações negativas, nem mesmo com o elemento que gerou mais curiosidade e controvérsia: a antropofagia.
“Eu pergunto em todas as conferências: ‘Algum de vocês não o faria?’ E ninguém levanta a mão”, disse Páez sobre a decisão de se alimentar com os corpos dos mortos.
Páez lembra que eles são cristãos, e ele afirma que isso o ajuda a pensar no episódio: “Sabemos que o corpo vai para um lado e a alma para outro, e de alguma forma buscamos essa explicação, mas o mais importante foi o direito à vida e de voltar para casa”.
Harley afirma que eles fizeram o que era possível para sobreviver, e que a decisão não causa angústia no presente. “Não tenho lembranças horríveis ou que me atormentem, me tiram o sono”, diz ele. Com 1,80 metro, ele conta que saiu da montanha pesando 37 quilos, e diz que simplesmente não havia outra opção.
“Uma coisa que tínhamos certeza era de que não queríamos morrer na Cordilheira. Preferíamos comer solas, cigarros, pasta de dentes. Não havia alternativa”, afirma.
Buscas chegaram a ser suspensas
Os sobreviventes conseguiam escutar um rádio do avião que ainda funcionava. Dez dias depois do acidente, eles souberam que as buscas pelo avião haviam sido suspensas. Para as autoridades, eles já eram considerados mortos.
Foi quando decidiram que deveriam “deixar de esperar e começar a agir”. A única saída era escalar as montanhas e buscar ajuda.
Após semanas de preparação, o plano foi colocado em prática em 12 de dezembro. Dois deles, Fernando Parrado e Roberto Canessa, iniciaram nove dias de caminhada até esbarrarem com o tropeiro Sergio Catalán na remota localidade chilena de Los Maitenes.
“Fizemos as coisas acontecerem. Fomos buscar os helicópteros”, disse Páez.
Dos 16 sobreviventes, alguns decidiram se afastar dos olhos do público. Outros optaram transmitir suas lições em palestras por todo o mundo. Entre eles, Páez e Harley, que viajam constantemente levando sua mensagem.